sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

Realismo como uma teoria de Educacao

Índice
Índice. 1
1. Introdução. 2
2. Realismo como Teoria de Educação. 3
2.1 Noção de Realismo. 3
2.2 Noção de Educação. 3
2.3 Realismo Antigo. 4
2.4 Realismo Medieval 4
2.5 Realismo Moderno. 5
2.6 Realismo Contemporâneo. 7
2.7 Objectivos gerais do Realismo Educacional 8
2.8 O currículo geral do Realismo Educacional 8
3. Conclusão. 9
Bibliografia. 10

Por Hermínio Nhantumbo[1]
1. Introdução
O presente trabalho de pesquisa científica, inserido na disciplina de Filosofia de Educação, visa essencialmente abordar o Realismo Educacional começando pela antiguidade Clássica (Aristóteles), e seguindo pela Idade Média (São Tomás de Aquino), Idade Moderna (Francis Bacon, John Locke, Rousseau, Pestalozzi, Herbert, Spencer, Froebel) até a Idade Contemporânea (Whitehead, Russell e Maria Montessori).
Neste contexto, é nossa tarefa saber: Quais são os contributos que o realismo educacional trouxe para o progresso do sistema educacional.
Neste sentido, o objectivo desta abordagem é compreender, sobretudo, como é que o realismo encara a educação e que tipo de currículo propõe.
Para a concretização deste trabalho, usamos os métodos: racional, (que nos permitiu abstrair com vista a encontrar os fundamentos filosóficos do realismo educacional) análise comparativa (que nos permitiu estabelecer uma analogia ou comparação do realismo ao longo das varias Idades) e a hermenêutico, (que visou interpretar e compreender os textos que tornaram possível este trabalho).
Assim, o trabalho está estruturado da seguinte forma: Introdução (onde de forma breve resumimos o assunto a tratar); Desenvolvimento (que contém o Corpus do texto propriamente dito, onde merecem destaquem as várias fases por que o realismo passou, suas características e suas finalidades) e a Conclusão (onde damos o nosso contributo em relação ao que se percebeu durante a viagem feita ao mundo do realismo educacional).

2. Realismo como Teoria de Educação
O realismo é uma filosofia complicada porque existe muitas variedades, tais como: realismo clássico, científico, literário, educacional, etc.
Porém, nesta abordagem nos ocuparemos do realismo educacional como um dos tantos sistemas tradicionais do pensamento, datado de Aristóteles e reformulado, reinterpretado em quase todas as épocas.

2.1 Noção de Realismo
De uma forma geral entende-se por realismo “a corrente literária e estética, segundo o qual o escritor e o artista devem representar o real tal qual é, isto é, sem o idealizar” (Neves, Maia e Baptista, 2001: 210).
Os principais princípios do realismo resumem-se nos seguintes: A matéria ou objectos que nós vemos existem absolutamente. O mundo existe em si e é uma realidade, independente de o Homem conhecê-lo ou não as coisas que nele existe. O mundo dá muitas evidências de que existe uma ordem por detrás dela que a organiza (cf. Akinpelu, 1991: 137).
Na sua epistemologia, o realistas provam ou defendem que desde a existência do mundo, a matéria sempre existiu e é possível um conhecimento objectivo acerca deste. Para eles, o processo do conhecimento é uma resposta da mente às impressões que foram obtidas no exterior através da sensibilidade (cf. Id.: 138).
Assim, realismo quer significar a adequação do pensamento com a realidade exterior à mente Humana.

2.2 Noção de Educação
Para os realistas, a Educação é um processo ou sentido de desenvolver as capacidades do homem e habilitá-lo para conhecer a verdade a cerca da matéria (cf. Id.: 139).

2.3 Realismo Antigo
Aristóteles (384-322 a.C.) parte do princípio de que “nada vem à mente sem antes ter passado pelos sentidos”, isto é “nenhum conhecimento era inato” Por isso mesmo que para ele, o “objectivo da educação era dirigir a nossa razão para superar as falsas indicações dos sentidos, desvendando, no mundo, a essência das coisas por cima da ilusão das aparências” (Cotrim e Parisi, 1985:111).
Por esta razão que a educação em Aristóteles vai incidir mais na investigação dos fenómenos da natureza, através das disciplinas curriculares como a biologia, a física e a astronomia (Ibid.)
Segundo este filósofo clássico, para o desenvolvimento de uma boa educação é necessário ter em conta as três ideias essenciais: a primeira ideia diz respeito a natureza do educando que, por razões de ordem biológica irá condicionar o comportamento do aluno (virtudes e deficiências), que deve ser compreendido e respeitado pelo professor. Aqui, o programa de ensino deve ser elaborado com bases nos aspectos acima mencionados; a segunda ideia refere a formação de bons hábitos que visa combater os desejos instintivos e irracionais como por exemplo dormir excessivamente, ociosidade, etc.; a terceira ideia diz respeito ao desenvolvimento da inteligência e da razão, pois, são estas as faculdades mais importantes do Homem. Para tal, é necessário um programa de ensino que proporcione o treinamento e a disciplina mental (cf. Id. 1985:111-112).
Assim para Aristóteles, a razão é o caminho mais sublime e seguro para a solução dos problemas que nos apoquentam.

2.4 Realismo Medieval
Na idade média, o representante do realismo educacional é Santo Tomás de Aquino (1225-1280), um neoaristotélico.
Com relação ao ensino, Santo Tomás de Aquino “insiste na participação que o educando deve ter em sua formação física e espiritual”, pois para este autor “Deus é o verdadeiro mestre que ensina dentro da nossa alma, porém sublima a necessidade de uma ajuda exterior”, isto é, “Deus nos infunde no entendimento os princípios fundamentais, contudo, as implicações desses princípios, as deduções que deles se originam, são obra humana e da experiência” (Brandão, 1981: 86).
Neste processo, o papel do professor é de ajudar a actualizar o saber que já se encontra potencialmente contido no educando (Ibid.).
Assim, para Aquino a educação primária deve ser da alma humana (cf. Ozmon e Craver, 1981: 47).
Por tanto, tanto Aristóteles, como Aquino influenciaram para uma doutrina dualista da realidade, pois em Aristóteles o mundo é composto por matéria e forma e, em Aquino o Homem é composta por matéria e espírito.

2.5 Realismo Moderno
Francis Bacon (1561-1626) inicia com o realismo moderno, sobretudo no que diz respeito ao uso do método indutivo (um método que acrescenta um novo conhecimento, na medida em que parte do particular ao geral) “através do qual o próprio aluno chega à descoberta do conhecimento, ao estudo da natureza e a preocupar-se com a sistematização dos procedimentos didácticos” (Brandão, 1981: 109).
Por sua vez, John Locke (1632-1704) também dá a sua contribuição na educação. Com ele o realismo torna-se numa corrente de investigação a cerca do pensamento humano, pois, parte da seguinte questão: donde vem o conhecimento se o homem não possui ideias inatas? Para este as ideias derivam da experiência por meio da sensação e reflexão e a educação vai consistir na apreensão dos dados sensíveis pelo aluno no seu quotidiano (cf. Ozmon e Craver, 1981: 49-50).
Para Locke, as ideias educacionais são práticas a cerca da conduta, ociosidade, recompensa e castigo e outros aspectos do processo educativo. As ideias de Locke pretendem formar um Homem cavaleiresco ou cortês (Id.: 50).
Contudo, o realismo conhece novos momentos com as contribuições do francês Jean Jacque Rousseau (1712-1778), pois pela primeira vez na história da educação, a criança deixa de ser vista como uma adulta em miniatura.
Esta nova visão faz com que Rousseau conceba a sua educação partindo do princípio de que “o Homem nasce bom: é a sociedade que o corrompe” Assim para que a educação tenha sucesso deve ocorrer a margem da sociedade, e só depois do aluno estar imunizado é que poderá ser reintegrado na sociedade (cf. Mondin, 1981: 164-165).
Esta educação tem em vista reconduzir a “humanidade ao novo estado de natureza (...) no qual o homem age não segundo a liberdade do instinto desordenado, mas segundo a liberdade do instinto disciplinado da lei” (Id.: 165). Por está razão que a consciência moral, na visão de Rousseau, “reside no instinto (impulso inato para o bem), pois” diz ele, “a única fonte de males é a pressão social” (Dias, 1972: 160).
Em Rousseau, a educação começa com o desenvolvimento das faculdades sensitivas (que visa aprender a julgar bem as coisas através dos órgãos dos sentidos), seguido pela educação da razão (por volta dos 15 anos, que visa estimular o espírito de pesquisa autónoma).
Por tanto, a educação em Rousseau começa pelos dados sensíveis e evolui aos dados suprasensíveis.
As ideias de Rousseau influenciaram John Pestalozzi (1746-1827) que proclamava a democratização da educação. Herbert (1776-1841) vai criticar toda e educação naturalista e Spencer (1820-1903) volta a seguir a linha natural.
Froebel (1782-1852) na sua obra: The Education of Men vê o universo como uma unidade, com Deus como seu coração e espírito movente. Para ele, todas as coisas tem um elemento divino em si e este elemento é que une ou é a unidade de todas as coisas. Nesta perspectiva, Froebel vê a educação como o desenvolvimento completo do homem como um sujeito individual e parte duma sociedade. Para este, o objectivo da educação é de desenvolver de forma integral a personalidade inteira em si e integrante numa sociedade (cf. Akinpelu, 1991: 62).
Froebel dividiu a vida do homem em quatro estágios ou fases: a infância, a criança, a adolescência e a fase adulta. Cada fase corresponde a uma inteira entidade, mas ainda em preparação para o estágio seguinte até superior. A infância e a fase de criança são para Froebel os mais importantes para uma educação repleta de sucesso, pois, é muito fácil moldar alguns comportamentos negativos do educando (Ibid.).

2.6 Realismo Contemporâneo
O realismo contemporâneo tem tendências para desenvolver uma forte preocupação a cerca da ciência e problemas científicos de natureza filosófica (cf. Ozmon e Craver, 1981: 50).
Dentre as figuras do realismo contemporâneo figuram Alfred Whitehead (1861-1947) e Bertrand Russell (1872-1970). O primeiro direcciona a sua filosofia com vista a encontrar um modelo universal, o segundo caminha o seu pensamento à quantificação matemática e verificação como base para generalizações filosóficas (Id.: 51).
Whitehead descreve três fases primárias: primeira é a fase do romance, (abaixo dos 14 anos) onde a actividade educacional da criança é caracterizada pela descoberta das coisas através do questionamento às pessoas entendidas na matéria; segunda é fase da precisão (dos 14 aos 18 anos) e caracteriza-se pelo estudo específico do conhecimento particular e, finalmente, a fase das generalizações (dos 18 aos 22 anos) onde o estudante torna-se num indivíduo efectivo e capaz de lhe dar com o experiência imediata e adquirir os principais conhecimentos para a vida (Id.: 60).
Maria Montessori (1870-1952) deu, também, o seu contributo para o desenvolvimento do realismo contemporâneo. As suas contribuições incidiam na ideia segundo a qual a tarefa da educação é preparar a criança para que seja livre. Para tal, é indispensável que a criança consiga autonomia mediante a aquisição de níveis progressivos de independência física e afectiva, o que implica auto-estima e independência de vontade e pensamento (cf. Montessori et al, 2003: 30).
Montessori sublinha que a criança domine seu entorno, que aprenda a manejar o material, a buscá-lo, colocá-lo em seu devido lugar, ordená-lo e preservá-lo, deslocar o mobiliário se for necessário, limpar a classe, procurar informações nos livros, etc., e assim ela vai aprendendo a se desenvolver sem a ajuda do adulto. Para que isto se materialize ela recomenda que a criança brinque num espaço amplo e ambientalmente saudável e que o professor tenha um espírito científico e uma disciplina profunda (Ibid.).

2.7 Objectivos gerais do Realismo Educacional
O objectivo último da educação realista é obter o conhecimento acerca da natureza e o funcionamento interno e secreto do universo, para que o aprendiz conscientemente ajuste, para si mesmo, o que é real. Esta educação ajuda o homem a formar hábitos, disposições, e tendências para pesquisar a verdade, alcançá-la, possuí-la e usá-la em diversos aspectos da sua vida. Para além da natureza, a cultura também contém tal verdade que foram acumuladas em tempos e contém a melhor sabedoria, prudência das gerações passadas (cf. Akinpelu, 1991: 139).
Acima de tudo a educação realista visa essencialmente a liberdade da pessoa humana, com vista a tornar-se autónoma e responsável pelos seus actos.
2.8 O currículo geral do Realismo Educacional
Para os realistas, as disciplinas do currículo devem ter como conteúdos os elementos da cultura (excepto Rousseau que defende um currículo baseado na natureza). Esses elementos culturais devem ser estudados e fazer parte da existência do próprio aluno. Assim, a educação passa a ser a transmissão específica de elementos culturais e subsequente crescimento das habilidades da criança para o aprendizado futuro (cf. Id.: 139).
De acordo com os realistas, o currículo é essencialmente o espelho completo da cultura de uma sociedade, reduzida a medida e expresso em diferentes disciplinas e objectos de estudo. Assim, cada disciplina é uma quarta parte da cultura É nesta perspectiva que o conteúdo do currículo realista deve consistir em literatura e aspectos numéricos que vão habilitar o aluno a se introduzir nesses aspectos da cultura (Ibid.).
Para os realistas, o programa geral é muito importante para a educação, pois é dela que sai a educação vocacional e a educação para a vida ou sobrevivência.

3. Conclusão
Depois desta abordagem em torno do realismo educacional, convém tecermos algumas considerações.
No que diz respeito aos objectivos da educação, o realismo educacional visava: criar uma educação baseada em conhecimento prático e essencial; desenvolver os poderes racionais ao máximo para que o homem tenha uma vida próspera; desenvolver habilidades técnicas e produzir especialistas e cientistas e ensinar as práticas educativas e os conteúdos essenciais com vista a conduzir a algo além delas próprias, ou seja, proceder da matéria à forma, da imperfeição à perfeição.
No que respeita ao método, os realistas enfatizam o método da razão critica, expositivo auxiliado pela observação e experimentação. Entram neste leque de métodos, o método dedutivo (Aristóteles) e o indutivo (Bacon).
O currículo do realismo valoriza os aspectos físicos (órgãos dos sentidos para apreender os dados sensíveis relativos a realidade exterior objectiva) e mentais (a razão que procura abordar tais impressões de maneira sistemática e organizada) do aluno.
Neste processo educativo, o papel do professor é de apresentar o conteúdo de uma forma organizada com vista a promover, no aluno, a ideia da possibilidade de usar critérios definidos para se fazerem julgamentos a respeito da arte, da economia política e da ciência, enquanto que ao aluno cabe o papel de ser inventivo, ter boa memória, boa conduta, autodisciplina, rigorosidade, dedicação aos estudos e uma mente saudável.
Com o realismo temos a oportunidade de conhecer uma grande parte da história da educação, pois ela é uma corrente que inicia na antiguidade clássica e progride até aos nossos dias. O seu contributo ao nível da educação foi, não só, de ver a criança como tal, mas também tomar o ensino e aprendizagem como um processo que segue uma linha ascendente partindo do conhecido ao desconhecido, do concreto ao abstracto.


Bibliografia
AKINPELU, J.A., An Introduction to Philosophy of Education. London: Macmillan, 1991.
BRANDÃO, Carlos Rodrigues, O que é Educação. 2ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1981.
COTRIM, Gilberto e PARISI, Mário, Fundamentos da Educação: História e Filosofia da Educação. 10ª ed., São Paulo: Saraiva, 1985.
DIAS, Rui dos Anjos, Filosofia. Coimbra: Livraria Almeida Editora, 1972.
MONDIN, Baptista, Curso de Filosofia: Os Filósofos do Ocidente.vol.2, 2ª ed. São Paulo: Edições Paulinas, 1981.
MONTESSORI, Maria et al, Pedagogias do século XX. Porto Alegre: Artimed, 2003.
NEVES, Pedro A., MAIA, Cristina e BAPTISTA, Dalila, Clube de História.8º ano, Porto: Porto Editora, 2001.
OZMON, Howard A. and CRAVER, Samuel M. Philosophical Foundation of Education. 2nd ed., USA: Bell end Howel Company, 1981.

[1] Autor do trabalho apresentado num seminário na UP em 2008

quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

Provas de Existencia de Deus em Descartes e Kant

Índice
Índice. 1
1. Introdução. 2
2. As provas de existência de Deus em Descartes e Kant 3
2.1 As Provas de existência de Deus em René Descartes. 4
2.2 As Provas de existência de Deus em Immanuel Kant 5
2.3 Possível relação entre os pensamentos de Descartes e Kant 6
3. Conclusão. 8
Bibliografia. 9

1. Introdução
O presente trabalho de pesquisa científica, inserido na disciplina de Filosofia de Religião, visa essencialmente abordar as provas de existência de Deus na visão dos filósofos modernos René Descartes (1596-1650) e Immanuel Kant (1724-1804). Todavia é importante esclarecer que a tentativa de provar racionalmente a existência de Deus remonta a Aristóteles que discutia num tom de abordagem um pouco diferente a de estes filósofos. Em Descartes a prova Ontológica é a ideal para se provar a existência de Deus, enquanto que para Kant é impossível conhecê-Lo, embora ele acredite em tal existência.
Neste contexto, é nossa tarefa saber: Como é que estes filósofos constroem o seu pensamento com vista a provar a existência de Deus?
Para a concretização deste trabalho, usamos os métodos: racional, (que nos permitiu abstrair com vista a encontrar os fundamentos desta abordagem) e a hermenêutico, (que visou interpretar e compreender os textos que tornaram possível este trabalho).
Assim, o trabalho está estruturado da seguinte forma: Introdução (onde de forma breve resumimos o assunto a tratar); Desenvolvimento (que contém o Corpus do texto propriamente dito, onde merecem destaquem a visão de Descartes que parte do Cogito, ergo Sum até a prova de Deus, e de Kant que refere que é impossível conhecer o numéno e que, portanto é também a partir dos três argumentos provar a existência Deus) e a Conclusão (onde damos o nosso contributo em relação ao que se percebeu durante a viagem feita ao mundo cartesiano e kantiano).

2. As provas de existência de Deus em Descartes e Kant
Antes de entrarmos na teodicéia Cartesiana e Kantiana, importa referir que por Deus se entende o “objecto supremo e sobrenatural dos pensamentos, das crenças e das práticas que constituem a religião”, enquanto que por existência entende-se “estar a par de, surgir fora de...” (Legrand, s.d.: 118-161).
É pertinente, também, referir que as provas de existência de Deus podem reunir-se em três grupos distintos, a saber: Prova Ontológica (baseado na ideia de ser perfeito); Prova Cosmológica (baseado no princípio segundo o qual a existência, o movimento e a ordem do mundo externo supõe a existência de Alguém que seja a causa de tais factos) (cf. Dias, 1972: 235); e a Prova Teleológica (segundo a qual a ordem existente no mundo pressupõe uma mente ordenadora que se chama Deus) (Mondin, 1981: 185).
Nesta perspectiva é preciso salientar que há três atitudes possíveis que o Homem pode tomar quando a questão diz respeito à existência de Deus: de Afirmação (os teístas ou crentes); Negação (os materialistas ou ateus) e Não aceitação (os agnósticos, positivistas ou indiferentes) (cf. Dias, 1972: 233).
Neste sentido, o ponto a seguir aborda detalhadamente como é que os autores supracitados abordam a questão da existência de Deus e em que perspectiva se enquadram.

2.1 As Provas de existência de Deus em René Descartes
O ponto de partida seguro que Descartes toma é a dúvida metódica, como sendo “aquela que põe de parte sucessivamente todas as ideias em que a dúvida seja possível, até encontrar uma cuja clareza e distinção sejam tais que perante ela a dúvida se torne de todo em todo impossível. O fim último da dúvida metódica é alcançar a verdade” (Descartes, 1986: 21).
Esta dúvida metódica, por sua vez, leva a um ponto de apoio: o cogito que tem como alavanca o método, ou seja, o pensar é que dá certeza da sua existência como ser pensante (Id.: 22-23).
A questão cartesiana é: como se pode estabelecer a ponte entre o Cogito e o mundo que o rodeia?
Para ele, a única saída para se resolver este problema está na ideia que ele tem de um ser absolutamente necessário. É a partir dessa ideia que Descartes chega a existência real de Deus (cf. Id.: 24), uma vez que para Descartes a existência de Deus “pode ser provada, além do processo indutivo, também pelo dedutivo, mediante um raciocínio ontológico. Basta examinar a ideia de perfeito que (...) está presente em nossa mente pelo próprio facto de nos reconhecermos imperfeitos” (Mondin, 1981:73).
A ideia inata de um ser absolutamente perfeito foi introduzido na sua mente ou alma a partir de fora por Deus. Por tanto, a justificação da existência humana não esta nele próprio mas, fora dele, no ser absolutamente perfeito, denominado Deus.
Por esta razão que Descartes para provar a existência de Deus usa o argumento Ontológico que parte do ser perfeito em direcção as criaturas imperfeitas.
Com este argumento Descartes arranja “um ponto de apoio para sustentar a veracidade do conhecimento (...)”, pois algumas ideias “encontram-se garantidas pela própria veracidade de Deus” (Descartes, 1986: 25).
A questão cartesiana é: como é possível a existência do erro no pensamento humano, enquanto existe Deus? Para este autor, o erro é possível quando o homem não “procede de acordo com a sua natureza, isto é, por ideias claras e distintas” e quando há “abuso da liberdade” (Id.: 30).
Descartes afirma que o homem “tem a capacidade de atingir a verdade”, mas quando “se trata de afirmar tal capacidade, relativamente ao mundo exterior, tem de haver o recurso a um elemento exógeno, concretamente a Deus” (Id. 31-32).
Ele chega a esta conclusão porque parte do principio de que o homem “não é uma unidade compostas de alma e corpo” mas sim “o homem é puro espírito” Id.: 32).
Por tanto a razão humana pode provar que Deus existe.

2.2 As Provas de existência de Deus em Immanuel Kant

Kant parte do princípio segundo o qual: se existe algo, seja o que for, tem de admitir-se também que algo existe necessariamente, pois, o contingente só existe sob a condição de uma outra coisa que seja sua causa e o mesmo raciocínio se aplica, sucessivamente, até chegar a uma causa que já não seja contingente e que por conseguinte, exista necessariamente sem condição. É sobre este argumento que a razão baseia o seu progresso para o Ser originário (Kant, 2001: 495-496).
Nesta perspectiva, Kant explica que a razão procura o conceito de um ser a que a contenha uma prerrogativa de existência, como necessidade incondicionada “ (…) para encontrar entre todos os conceitos de coisas possíveis, aquele que não implique nada que repugne à necessidade absoluta, pois que, mediante é certo e seguro para a razão que deve existir algo absolutamente necessário (Id.: 496).
Por isso mesmo que a “razão conhece um ser como incondicionado mediante um conceito a priori”, que seria “aquele que (…) conviria melhor ao conceito de um ser incondicionalmente necessário” e que “tenha mais fundado direito a essa prerrogativa na existência” (Id.: 496-497).
Neste processo, a razão humana primeiro convence da existência de qualquer ser necessário, reconhecendo nesta, uma existência incondicionada. Nesta caminhada, a razão procura o conceito do que é independente de qualquer condição e encontra este naquilo que é, em si, a condição suficiente ou no que contem toda a realidade.
Por esta via, “a razão conclui assim que o Ser Supremo como fundamento originário de todas as coisas, existe de modo absolutamente necessário” (Id.: 497).
Neste âmbito, o Ser absoluto é uma entidade que contem toda a realidade e condição.
Kant coloca a seguinte questão aos seus opositores: “onde será mais legítimo colocar a causalidade suprema senão onde está também a mais alta causalidade”, ou seja, “no ser que contem originalmente em si a razão suficiente de todo o efeito possível e cujo conceito é também muito facilmente caracterizado mediante o traço único de uma perfeição que tudo abrange?” (Kant, 2001: 499).
Com esta abordagem Kant quis deixar bem claro que não há outro Ser supremo que se eleva acima de tal ser que é um meio e um fim em sim mesmo.
Bom, admitir a existência de Deus não é o mesmo que provar. O que Kant tem a nos dizer em relação a prova de existência de Deus?
Na opinião de Kant, “os argumentos com os quais a razão procura provar a existência de Deus são erróneos”, pois “nenhuma destas provas (Ontológica, Cosmológica e Teleológica) é válida, antes de tudo porque as duas últimas provas supõem a prova ontológica; dado que a prova Ontológica não procede, também elas não procedem” (Mondin, 1981: 185). Ou seja, “como a experiência é o limite do conhecimento humano, a razão não pode demostrar a existência de Deus” (Zilles, 2004 51).
Para Kant, estas provas não são válidas porque “a existência não é um predicado contido no conceito da essência de nenhum sujeito” (Mondin, 1981: 185).
Zilles questiona: negada “as provas de existência de Deus, Kant afirma que Deus não existe?. Para Zilles, Kant não nega a existência de Deus, mas sim reconhece os limites da razão humana, e refere que “o que não se pode provar pela razão pura torna-se um postulado da razão prática” (Zilles, 2004: 51-52).

2.3 Possível relação entre os pensamentos de Descartes e Kant
De um modo geral pode-se referir que enquanto que para Descartes Deus é que faz a ponte entre o homem e o mundo (garantindo assim a veracidade do conhecimento humano), uma vez que, Ele é um postulado necessário no seu pensamento, em Kant a apreensão do real tem inevitavelmente a marca do nosso espírito (cf. Descartes, 1986: 40-41).
Enquanto que Descartes recorre aos argumentos Ontológico (que parte da ideia do ser perfeito para a existência desse ser como causa de tal ideia) Cosmológicos (que parte da existência do imperfeito para a necessidade da existência do ser perfeito de quem aquele depende) para provar a existência de Deus (cf. Id.: 145), Kant “afirma que os juízos sintéticos a priori não são possíveis na metafísica” (que estuda alma, universo e Deus) (Zilles, 2004: 49).
Por outro lado, Kant “rejeita o argumento cartesiano fundado no conceito de universalidade da realidade mediante a distinção tradicional entre existência pensada e existência real” (Id.: 50).
Os elementos comuns destes autores é que as suas filosofias partem de uma teoria do conhecimento em direcção a provar ou não existência divina (cf. Id.: 46).

3. Conclusão
De uma forma geral podemos dizer que com Descartes inicia uma nova época: a modernidade, em que o homem passa a ser o centro de todos os debates. Como tal, o homem possui uma razão que através do qual pode provar racionalmente a existência de Deus. Esta mesma razão interpreta o mundo e funda argumentos (Ontológicos, Cosmológicos e Teleológicos) como prova de existência de Deus.
Kant como revolucionário da teoria do conhecimento (ao afirmar que as condições da possibilidade do nosso conhecimento face ao objecto está determinado no próprio sujeito deste conhecimento) nega todas as provas de existência de Deus porque para este, não é possível a razão elevar-se a tal ser supremo ao ponto de provar a sua existência. Para este não se pode inferir, a partir do pensar em alguma coisa, que tal coisa existe realmente.
Assim, embora Kant acredite na existência de Deus, reconhece os limites da razão humana em provar ou conhecer uma realidade numénica ou Deus.
Por tanto, em Descartes a razão humana pode conhecer Deus, enquanto que em Kant tal intenção é impossível.

















Bibliografia
DESCARTES, René, Discurso do método. 3ª ed., Portugal: Publicações Europa-América, 1986.
DIAS, Rui dos Anjos, Filosofia. Coimbra: Livraria Almeida Editora, 1972.
KANT, Immanuel, Critica da Razão Pura. 5ª ed., Lisboa: Edição da Fundação Calouste Gulbenkian, 2001.
LEGRAND, Gerard, Dicionário de Filosofia. Lisboa: Edições 70, s.d.
MONDIN, Baptista, Curso de Filosofia: Os Filósofos do Ocidente.vol.2, 2ª ed. São Paulo: Edições Paulinas, 1981.
ZILLES, Urbano, Filosofia da Religião. 5ª ed., São Paulo: Paulus, 2004.

Crise da Modernidade em Nietzsche


1.Introdução. 2
2. Vida e obra de Frederich Nietzsche. 3
2.1. Crise da modernidade em Nietzsche. 4
2.1.1 Por que é que Nietzsche diz que a modernidade está em crise?. 5
2.1.2 Quando é que a modernidade entra em crise?. 6
2.1.3 Que propostas nos dá Nietzsche em relação ao término da crise?. 7
2.1.4 De que nos serviria à filosofia de Nietzsche para a superação de alguns males que enfermam à sociedade moçambicana?. 10
3. Conclusão. 12
Bibliografia. 13
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Apêndice. 14































Por Hermínio Nhantumbo[1]
1.Introdução
O presente trabalho de pesquisa científica, visa essencialmente abordar a questão da Modernidade, na visão do filósofo alemão Frederich Nietzsche. A questão fundamental de Nietzsche é a crise da modernidade, no seu aspecto moral e científico (A transmutação de todos os valores). Neste contexto, foi nossa tarefa saber: Quais são os fundamentos que legitimam Nietzsche a dizer que a modernidade está em crise, e/ou porque é que a modernidade está em crise? Quando é que ela entra em crise? Quais são os factores que aceleram a crise – a ciência ou a religião? Qual é a importância da filosofia de Nietzsche para o homem da sua época e para nós, ou seja, que contributos podemos colher dela?
Para a concretização deste trabalho, fizemos consultas bibliográficas em obras e manuais de filosofia com destaque aos seguintes livros: Filosofia de Kant à Nietzsche, de Alfredo Reis, O anticristo: um ensaio de uma critica do cristianismo, bem como, Crepúsculos dos ídolos ou como se filósofa as marteladas, escritos por Nietzsche.
Assim, o trabalho está estruturado da seguinte forma: Introdução (que tenta resumir o assunto tratado); desenvolvimento (que contém o Corpus do texto propriamente dito, onde merecem destaque as causas, os factores e as consequências da crise da modernidade em Nietzsche) e a conclusão (onde damos o nosso contributo em relação ao que se percebeu durante a viagem feita ao mundo nietzscheano).
O que deve ficar retido é: para Nietzsche a verdadeira filosofia reside dentro de nós, como ele próprio sustenta, “na própria ferida reside o próprio remédio”, que significa que o homem adquire o verdadeiro conhecimento dentro de si próprio.





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2. Vida e obra de Frederich Nietzsche
Segundo a obra de Alfredo Reis (1985), Frederich Nietzsche nasceu em 1844 no presbítero de Roecken, perto de Leipzig, na Alemanha. Foi filhos de pastores luteranos e com cinco anos de idade (1849), perde o seu pai e muda-se da sua cidade em Leipzig, juntamente com a sua mãe, para a cidade de Naumburg onde é educado num ambiente feminino de tias e avós e faz os seus primeiros anos de estudo num ginásio que ostentava o mesmo nome da cidade.
Em 1858 recebe uma bolsa para o ginásio de Schulpfort, onde recebe uma sólida formação humanista em Filologia[2] Clássica e torna-se membro de uma associação de estudantes (mas por pouco tempo), onde teve a oportunidade de ler a obra de David Strauss, intitulada: A vida de Jesus, e fica fascinado. Mais tarde, o mesmo autor escreve outra obra em que se reflecte as Influências de Charles Darwin[3], facto que contribui para a sua perda de fé na religião cristã.
Em 1865, Nietzsche volta a sua cidade Leipzig, juntamente com o seu professor, o Filólogo Ritschl que lhe incita a publicar o seu trabalho sobre: Teogonia de Mégara. Na mesma época Nietzsche toma o conhecimento da obra: O mundo como Vontade e como representação, do filosofo Schopenhauer, que lhe influência profundamente. No entanto, Nietzsche nota que a filosofia de Schopenhauer era carregada de um pessimismo extremo, pois afirmava que “não existe uma explicação racional do mundo”, facto que contribuiu para que Nietzsche ficasse decepcionado com o filósofo (Ibid.: 390).
Escreve um trabalho intitulado: Diógene Laércio, que é premiado em 1868 e em 8 de Novembro conhece o músico e filósofo R. Wagner, que lhe encanta como músico, mas lhe decepciona como filósofo, por este “caiu repentinamente desvalido e quebrantado aos pés da cruz cristã” (Id.: 370), acto que Nietzsche considera de fraqueza humana.
Em 1869, por recomendação do seu professor Ritschl, é nomeado professor na Universidade da Basileia, onde lecciona a disciplina de Filologia clássica e Grego na classe Superior do Paedagogium, onde a sua lição inaugural foi à 28 de Maio e versava sobre Homero e filologia Clássica. Uma das obras mais importantes e polémicas de Nietzsche foi: Origem da tragédia, que sofre severas críticas dos colegas filólogos com destaque a Wilamowitz Moellendorf e fica cientificamente apagado do campo da filologia. Escreveu também Also Sprach Zarathustra (Assim Falava Zaratustra), que fundamenta toda doutrina nietzscheana.
No entanto, Nietzsche cumpriu o Serviço militar (1867-1868) e na guerra de 1870 desempenhou a função de enfermeiro (aliás, para além de Filósofo e Filólogo foi Médico) tendo contraído desistiria e é dispensado. Depois de 10 anos, esta doença agrava-se e é dispensado da Universidade de Basileia em 1879. Por intervenção de seu amigo Overbeck, Nietzsche recebe uma pensão que lhe permite viver o resto dos seus dias com modéstia, e para tal procura viver climas amenos nalgumas cidades europeias como Engadine, Veneza e Turim, onde conhece uma jovem Russa (sua aluna), de nome Lou Von Salomé, com quem se casa.
Entre 1883 e 1888, Nietzsche escreve as últimas obras da sua vida e algum tempo depois teve a primeira crise de loucura na cidade de Turim e permanece num estado de apatia e prostração espiritual, até a sua morte em 25 de Agosto de 1900 (Ibid.).

2.1. Crise da modernidade em Nietzsche

Nietzsche vê o passado da Europa como sendo, “a história do erro mais prolongado” e, por isso, “ele” (Nietzsche) “é a negação que tudo discute (…) que faz crítica mais radical da ciência e da religião”. E neste contexto, Nietzsche é conotado “como crítico do passado e profeta do futuro (…) filho de uma época que se interroga a si mesma” (Id.: 373).
A questão que colocamos é: Não será contraditório afirmar que a crise da modernidade reside na época antiga? A resposta seria não: na medida em que a modernidade se fundamenta no Renascimento[4] – como sendo uma doutrina que volta às origens.
2.1.1 Por que é que Nietzsche diz que a modernidade está em crise?

No seu entender, “o democratismo sempre foi a forma de decadência[5]da força organizadora”, e neste contexto, “para que as instituições como Estado continuem a existir deve haver uma espécie de vontade[6], de instintos, de imperativos antiliberais, até a maldade” (Id.: 378).
Percebe-se claramente que Nietzsche está a fazer uma crítica, não a democracia[7] grega no geral, mas sobretudo a democracia proposta por Sócrates, Platão e Aristóteles – que encaminha o cidadão à morte, porque para estes, a verdadeira filosofia é aquela que ensina o homem a morrer (lembrem-se da cicuta que Sócrates tomou) – que dava muita primazia a razão em detrimento dos instintos.
Neste contexto, Nietzsche clama pelo retorno do Ocidente à antiguidade pré-socrática, [concretamente à representada por Tales (em que para ele tudo é água, e não há um ser Supremo), Anaximandro (no seu aforismo), Parménides (com o seu: Ser é e o não Ser não é), Anaxágoras, Empédocles, Demócrito e Heraclito (com o devir das coisas) – que fundamenta a doutrina nietzscheana de eterno retorno, que falaremos mais adiante][8], pois, “todo o Ocidente já está carecido daqueles instintos de que nascem as instituições, de que nasce o futuro (…) o instinto de valores dos nossos partidos políticos, dos nossos homens políticos, que instintivamente preferem aquilo que decompõe, que acelera o fim” (Ibid.).
Assim, para Nietzsche é urgente, em contraposição ao homem carenciado de instintos, “conceber o homem de génio como sendo possuidor de uma vontade `concentrada’, enorme, segura cujo fascínio mágico arrasta, numa admiração sem resistência, a multidão dos homens” (Id.: 378-379). Neste âmbito, Nietzsche critica, também, a época Medieval, pois, para ele, “bloqueou o aparecimento de grandes homens que provocassem um renascimento cultural”. Para Nietzsche a modernidade entra em crise, ao longo do seu caminho percorrido desde a antiguidade clássica, pois, “foi um caminho errado” (Id.: 379).
Assim, propõe a ideia de decadência, em vez do optimismo racionalista do progresso, porque o percurso do homem, cujo princípio está fundamentado na filosofia de Sócrates, Platão e Aristóteles, não é bom, mas sim muito mau.

2.1.2 Quando é que a modernidade entra em crise?

Na sua obra: Origem da tragédia, Nietzsche refere que a tragédia é a “ilustração da sabedoria dionisíaca[9] através de processos artísticos apolíneos[10]”, isto é, “o trágico é a elucidação apolínea do dionisíaco” (Id.: 380-384). Neste contexto, um dos efeitos da tragédia, era de “possibilitar a redescoberta da unidade do homem com a natureza”, mas por outro lado fornecia, também, “um fundamento ético”, bem como “mostrar ao homem que o prazer e a dor são duas dimensões essenciais e naturais da vida”, e que a “visão trágica consiste na compreensão destas contradições” (Id.: 384).
Pode-se perceber que a modernidade entra em crise quando volta a dar primazia ao racionalismo clássico e busca fundamentos em valores supremos (Deus), trocando em miúdos, na busca incessante de uma verdade nunca antes encontrada. Assim percebemos que Nietzsche chama atenção ao homem para voltar a valorizar os valores terrenos e que toda à resolução dos seus problemas só podem ser resolvidos pelo próprio homem. E para fundamentar a nossa posição, importa referir que Nietzsche diz que a visão trágica acabou quando “o processo crítico da racionalização socrática anestesiou a força vital dos instintos (…) Sócrates é o verdadeiro adversário de Dionísio” (Ibid.). E diz mais, “Sócrates e Platão são sintomas de decadência, instrumentos da decomposição Grega, pseúdo-grego e anti-gregos” (Nietzsche, 2002:26). Ele refere que a equação socrática (razão=virtude=felicidade) é a “equação mais extravagante que existe” (Id:28). Nesta ordem de ideia, a questão que se coloca é: O que significa Sócrates na cultura Grega? Para Nietzsche, socratismo é “um sinal de declínio, de esgotamento, de doença, de dissolução anárquica dos instintos”. Porquê? “Porque ele levou todos os helenos e filósofos posteriores a pensar que devia-se crer na racionalidade a todo o custo e a combater os instintos” (Reis, 1985: 385).
Importa referir que a moral cristã, o idealismo em geral, a metafísica, “instituíram o desprezo pela vida e pelo corpo, despersonalizaram o homem pela cisão entre o sensível e inteligível”, e agora, é preciso “reinstalar o homem na terra” (Id.: 395). Em última análise, a decadência começa quando a velha Atenas baseia-se em uma só escolha, isto é, “ou perecer ou ser absurdamente racionais” (Nietzsche, 2002:31), e agrava-se quando “uma casta sacerdotal propaga a crença num além imaterial, tirando[11] a seiva vital de um povo e impedindo-o de se rejuvenescer” (Reis, 1985: 374).
2.1.3 Que propostas nos dá Nietzsche em relação ao término da crise?

Nietzsche parte do princípio de que “a civilização inaugurada por Sócrates, já não estava absolutamente convencida da eterna validade dos seus fundamentos”, isto é, “o tempo do homem socrático passou (…) surge o conhecimento trágico que reclama o remédio e a protecção da arte[12]” (Id.: 387).
No entanto, para que o homem volte a ser “livre e criador, implica a negação da moral e da religião” (cristã) “enquanto formas de auto-alienação do homem” e para tal o homem deve deixar ou inverter o “modo metafísico de pensar e isso exigia a desdivinização da criação do mundo, ou seja, a morte de Deus” (Id.: 395).
Assim, “Deus morreu e com ele morreram os valores e ideais do Homem moderno (…) a realidade e a existência não têm sentido nem valor, está à porta o nihilismo[13]”. Para Nietzsche, a morte de Deus é o “mais importante acontecimento dos últimos tempos” (Ibid.).
A questão que colocamos é: quem vai ocupar o lugar deixado por Deus?
Para Nietzsche é necessário fazer do “nihilismo da debilidade”(o mais antigo e cansado, mas que não deixa de ser prejudicial para as consciências europeias), “um nihilismo de força” (mais activo e que destrua tudo aquilo que é contrário à vida), onde a “negação é um mero trânsito, a destruição como pressuposto da criação, o `não’ como preparação para o `sim’”(Id. :393). Ou seja, “é um vazio e um máximo de novas possibilidades”, em que, agora, mais vale “o modo como os valores são instituídos”, do que simplesmente “ocupar o lugar deixado vazio pelos tradicionais valores supremos, por valores de ordem puramente humanitários” (Id.: 391).
No nosso entender, o homem deve passar a agir de acordo com os seus próprios princípios e não em concordância com uma vontade suprema e alienante, mas claro, dentro de uma liberdade responsabilizável. E são nestas condições que deve ser criado, pelo próprio homem, o Super-Homem[14]. Não obstante Nietzsche referir que “este tipo de homem de elevado valor existiu, já por mais de uma vez”, ele diz “que foi por um feliz acaso” (Nietzsche, 2000:17) e não intencional. Agora é preciso que o Super-homem seja criado intencionalmente, pois, “existe uma oculta dimensão sobre-humana na essência humana que só se revela com a morte de Deus” (Reis, 1985: 402).
Assim, para Nietzsche o “Super-homem é a contra-figura que virá preencher o vazio deixado em aberto pela morte de Deus” (Id.: 403), isto é, não a razão, mas o homem enquanto tal ocupará o centro (capaz de ser fiel a terra e não dar crédito as esperanças supra-terrenas) e Deus morto. E isso só será possível “quando deixarmos de acreditar na gramática[15]” (cf. Nietzsche, 2002:38).
Para que o mundo seja perfeito, o Super-Homem deverá reconciliar os princípios apolíneos e dionisíaco, ou seja, “será a síntese da mais alta espiritualidade com vontade de poder (…) capaz de introduzir a ordem no conflito interior das suas forças (…) é a figura suprema da pura vontade de potência[16] (Reis, 1985: 407). E neste contexto, Nietzsche distingue, no acto da vontade “uma pluralidade de sentimentos reunidos; um pensamento que ordena e comanda”, bem como “um afecto, a paixão de mandar”, pois, contrariamente a Darwin, “a vida é uma vontade de crescer” (cf. Reis, 1985: 408).
Como contemporâneo de Darwin, Nietzsche faz uma critica, argumentando que “a vida não é tanto uma luta pela autoconservação, mas antes um esforço de superação de si mesma; não é uma carência, mas uma abundância (…)”, pois, “o que a vida quer é um aumento do poder” (Id.: 374-375).
Importa referir que Nietzsche pretende substituir, não só a Deus, como também a religião com a sua doutrina de eterno retorno[17], (Ideias expostas na sua obra: Assim falou Zaratustra) ou seja, como ele próprio diz: “quero que as minhas teorias sejam a religião das almas…sublimes” (Id:413). Esta doutrina permitirá ao homem praticar acções boas, pois, caso contrário, reviverá as suas maldades. Permitirá, também, disciplinar e seleccionar o homem, com a finalidade de torná-lo mais apto, pois, “só o Super-Homem terá a capacidade de superar e viver a vida como ela é: com os eternos retornos e outros” (Id.).
Mas Nietzsche não pára por aqui. Diz ele que com estas condições criadas, a partir do nihilismo; da morte de Deus; da criação do Super-Homem; da vontade de potência e a doutrina do eterno retorno, é possível a transmutação dos valores[18] e a inversão da cultura[19]. Neste sentido, Nietzsche propõe “uma moral em que se faça elogios: do corpo, da saúde, dos gozos da carne; das paixões que passam a ser prazeres; da guerra, da dureza, bem como das naturezas fortes, dos guerreiros face aos sábios” (Id.: 421).
Neste âmbito, as inovações fundamentais de Nietzsche ou as três metamorfoses do espírito consistem em três pontos:
·Em vez de valores morais, propõe valores naturais (naturalização da moral) – usa a expressão Camelo simbolizando o espírito transformado em besta de carga que transporta sobre si fardos pesados. Este espírito diz Tu deves, ou seja, é a obediência;
· Em vez de sociologia propõe uma doutrina de modelos de senhores – usando a expressão Leão para referir a coragem e a força da vontade de poder, aquela que lhe leva a devorar o Tu deves. Este espírito diz Eu quero; (é o próprio Zaratustra[20]);
·Em vez da metafísica e da religião propõe a doutrina do eterno retorno como meio de disciplina e selecção – usa a expressão Criança que simboliza a ingenuidade, do começar de novo e do desconhecimento do ressentimento. Por basear-se na sua própria vontade, este espírito diz Eu quero (cf. Reis, 1985: 422; Nóbrega e Marques, 1997:210).
Assim, propõe que a sociedade deve ser dividida em dois grandes grupos: Grupos dos superiores, regido por uma “moral dos Senhores”; e o Grupo dos inferiores regido por uma “moral dos rebanhos”, pois, para ele, “os homens são desiguais e deve existir na cidade uma rígida hierarquia ordenada segundo o princípio de capacidade de cada homem” (Reis, 1985: 422). Importa referir que Nietzsche defende a liberdade, mas uma liberdade que “vem do corpo”( Nóbrega e Marques, 1997: 210), pois, para ele “o homem é somente o corpo e nada mais” (Mondim, s.d.:77).
2.1.4 De que nos serviria à filosofia de Nietzsche para a superação de alguns males que enfermam à sociedade moçambicana?
Partindo do pressuposto nietzscheano que reza que mesmo na ferida crónica existe uma força curativa, o grupo trouxe algumas reflexões (poderíamos trazer outras, mas cabe ao leitor fazê-las e enquadrá-las dentro desta perspectiva) em torno da problemática do HIV/SIDA e da Pobreza Absoluta no País.
No que se refere ao HIV/SIDA, a filosofia nietzscheana (a que diz sim a vida) é importante na medida em que fornece ao seropositivo o pressuposto moral, o qual advoga que, na vida, mesmo se estando num abismo infinito, temos necessariamente a obrigação de ter a vontade de viver. Para tal é necessário ter uma visão trágica, isto é, coexistir com o prazer, mas também com a dor, com o Sim, como também com o Não.
Mesmo para aquele que descrimina o seropositivo, não se deve esquecer que é sempre “possível extrair dele algo que se pode ouvir[21] (Nietzsche, s.d.: 26)”. Ou será que o facto de a pessoa humana estar infectado pelo HIV/SIDA implica que deixa de ser Ser Humano?
No respeitante a proclamada pobreza absoluta (linguagem dos discursos políticos do Presidente da República A.Guebuza), deve-se perceber ela como o único momento em que o homem pode fabricar ou produzir a sua própria riqueza a partir da sua própria criatividade, porque no nosso entender, a maior pobreza é a pessoa não ter a consciência de que é pobre, pois quem consciência tem, faz de tudo para se ver livre dela.
Como defensor da vontade individual, Nietzsche refere que o homem deve não só (con) viver com as contradições que a vida dá (maldade, bondade; tristeza, alegria; falta, abundância…), como também deve estar apto para superá-las.
O homem como não sendo um fim em si mesmo, mas um instrumento para transição para a perfeição da espécie humana (Super-Homem), precisa do outro e vice-versa para a sua projecção. E neste contexto, se a luta contra a pobreza absoluta resultar de uma conjugação de esforços individuais, onde o eu dá lugar ao outro; o meu dá lugar ao nosso; a ideia dá lugar a realidade; as reflexões filosóficas dão lugar à resultados práticos, então estaremos no caminho certo, rumo a erradicação deste mal social.
Em última análise, o que se pretende defender é a ideia de compartilhar, não só as coisas que estão no domínio da matéria (dinheiro, projectos, etc.), como também no domínio espiritual (dor, conhecimento, alegria, ideias…), pois, se nós assumirmos as causas dos outros como nossas, então todos se preocuparão com todos.








3. Conclusão
Para perceber Nietzsche deve-se ter em conta que o encontro com ele se dá num limite último e foi essa a nossa tarefa. Depois de uma longa viagem (mas não terminada) realizada ao mundo nietzscheano, sintetizamos o seguinte:
Durante o processo da formação dos primeiros saberes (Idade Antiga), nalgum momento da história, o homem teria sido induzido a deixar de ser homem (prazeres carnais, paixões, etc.) e passar a vida a contemplar, simplesmente, um além imaterial, matando, assim os instintos em detrimento da sua razão. A idade Média, aproveitando os pressupostos teóricos (filosofia de Platão e Aristóteles) deixados como herança pela antiguidade clássica, usa-os para fundamentar a sua doutrina: o cristianismo.
Na visão do nosso filosofo, a Modernidade entra em crise quando vincula nas suas abordagens filosóficas, componentes das anteriores Idades, ou seja, quando dá tanta primazia, não só a razão, como também Deus, como entidades únicas e exclusivas para a orientação do homem, fazendo crer que sem eles (razão e Deus), o homem nada seria.
É por isso que Nietzsche, através do seu método de interrogações implacáveis e duras, se questiona: o que é a vida? A esta pergunta diz ele: “a vida no sentido biológico é um apelo à libertação das forças vitais, dos impulsos e dos instintos”( Heinemann, 1979: 258). O que Nietzsche defende é a vida terrena, com todas as suas contradições, e nada mais.
Nós também subscrevemos o posicionamento do filósofo Alemão, Frederich Nietzsche.












Bibliografia
ABBAGNANO, Nicola, História da Filosofia. 5ºVol., 4ª Ed., Lisboa: Editorial Presença, 2000.
HEINEMANN, F., A filosofia do século XX. 2ª Ed., Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1979.
LEGRAND, Gerard, Dicionário de filosofia. Lisboa: Edições 70, s.d.
MUNDIN, B., Curso de filosofia: Os filósofos do Ocidente. 3º Vol., 6ª Ed., São Paulo: Paulus Editora, s.d.
NÓBREGA, Luísa e MARQUES, Joaquim, Introdução à Filosofia. 10ºAno, 2ª Ed., Portugal: Constância Editores, 1997.
REIS, Alfredo, Filosofia de Kant à Nietzsche. 12º Ano, 2ºvol., Porto: Edições Contraponto, 1985.
NIETZSCHE, F., O anticristo: Ensaio de uma crítica do cristianismo.10ª Ed., Lisboa: Guimarães Editora, 2000.
NIETZSCHE, F., Crepúsculo dos ídolos ou como se filósofa às marteladas. 4ª Ed., Lisboa: Guimarães Editora, 2002.
NIETZSCHE, F., Filosofia na idade trágica dos gregos. Lisboa: Edições 70, 1995.
NIETZSCHE, F., Assim falava Zaratustra. Lisboa: Guimarães Editora, 2000.
NIETZSCHE, F., Ecce Homo (como cheguei a ser o que sou). Lisboa: Edições 70, s.d.






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Apêndice
Obras que Nietzsche escreveu: O Livro do filósofo (em três volumes: 1º vol., intitulado: O nihilismo Europeu; o 2ºvol., Intitulado: Crítica dos valores superiores e o 3º intitulado: Princípio de uma nova valoração). Para além desta escreveu:
Aurora; Textos de Hermenêutica; O caso Wagner; A Genealogia da Moral; A Origem da tragédia; Ecce Homo (Como cheguei a ser o que sou); Crepúsculo dos ídolos; O Anticristo; Para Além do Bem e do Mal; Correspondência com Wagner; Ditirambos de Dionísio; A Gaia Ciência; O viajante e a sua sombra; Nietzsche contra Wagner e
Assim Falou Zaratustra.
Para dizer que foi um pesquisador e escritor de mão cheia.
Nietzsche teve influências de grandes nomes da filosofia, que se destacaram tanto na idade antiga como modernidade, como são o caso de: Heraclito; Platão; Montaigne; Spinoza; Kant; Goethe; Schiller; Schopenhauer; Heine; Emerson; Poe Wagner e Dostoiévski.
Como não podia deixar de ser, influenciou os seguintes: Rilke; Jung; Iqbal; Jaspars; Heidegger; Bataille; Band; Sartre; Camus; Deleuza; Foucault e Derrida.
O caso curioso é que Jung, Satre forma rivais de Nietzsche na vida amorosa, uma vez que, a sua molher Lou Von Salomé, se envolvia com estes ilustres, sem deixar de fora o psicólogo Segmund Freud.
Depois desta pequena invasão à vida de Nietzsche, eis algumas questões para reflexão conjunta:
1. A respeito da ética, quais são as ideias de Nietzsche?
2.Qual é o motivo que leva Nietzsche a desvalorizar a religião?
3.A liberdade é uma propriedade essencial do homem e, ao mesmo tempo, um bem que deve ser conquistado ou, pelo menos defendido. Qual é o ensinamento de Nietzsche sobre a liberdade?
4. A primazia da vontade afirmada em psicologia por alguns autores medievais (Duns Scott e Occam), adquire significado metafísico em Nietzsche, porém, o seu voluntarismo tem objectivos totalmente opostos. Qual é o objectivo do voluntarismo de Nietzsche?


[1] Autor do Trabalho que foi apresentado em um seminário na UP em 2007
[2] É a ciência que se dedica a fazer hermenêutica de textos, neste caso, interpretação de textos dos pré-socráticos.
[3] Influências expostas na obra: Origem das espécies, publicada em 1859 por Charles Darwin, sobretudo no capitulo referente a selecção natural.
[4] O entusiasmo por um autêntico contacto com os textos antigos que se verificou sobretudo em Florença e Roma depois de 1400, traduziu-se em primeiro lugar por violentos ataques a Aristóteles, e principalmente pela interpretação feita pela escolástica (ver Dicionário de filosofia de Legrand, p.333). Para Abbagnano (2000) é a atribuição de um espírito que já fora próprio do homem da época clássica e se perdera durante a Idade Média: um espírito de liberdade, pelo qual o homem reivindica a sua autonomia de ser racional e se reconhece como intimamente ligado à natureza e a história, apresentando-se resolvido a fazer de ambas o seu reino. O fim último do renascimento é o próprio Homem através do retorno aos antigos (p.15)
[5] Este termo, equivale aqui, o mesmo que fraqueza, ou seja, um processar através de um envelhecimento social em que o enfraquecimento físico de uma nação seria acompanhado de um retrocesso intelectual (cf. Reis, 1985: 374).
[6] Vontade de poder é um termo da autoria de Nietzsche que exprime simplesmente um “querer viver” (ver Dicionário de filosofia de Legrand, p.387).
[7] É o sistema político no qual o poder pertence ao conjunto dos cidadãos, ou seja, é um regime diferente da tirania, monarquia ou da aristocracia (ver Dicionário de filosofia de Legrand, p.111).
[8] cf. Nietzsche - A filosofia na idade trágica dos Gregos, p.22
[9] Princípio de destruição e de força criadora. (Dionísio era o deus grego do vinho. Combateu a soberba da razão humana através da exaltação dos instintos, do êxtase, da magia e do mistério). (ver Nóbrega, p. 206 e Reis)
[10] Princípio de ordem e medida. (Apolo de Velos era o deus grego do sol, das artes e das curas. Representava o ideal de perfeição física e intelectual) (Id.).
[11] Anote-se que na versão original é Sacando.
[12] Significa, actividade ordenada com vista a um fim diferente dela própria e cujo práticas são objecto de aprendizagem ou de ensino (ver Dicionário de filosofia de Legrand, p.48), ou seja, é ver a parte má e boa da coisa, da vida, do mundo. É também um viver e sentir ou receber um novo estímulo para novo viver, ouvir e ver (ver, Heinemann: a filosofia no século XX, p. 456).
[13] É crença na absoluta desvalorização da existência, quando se trata dos seus supremos valores reconhecidos, e por se entender que não temos o mínimo direito de estabelecer “um mais além” ou “um em si” das coisas que sejam “divino”, que seja a personificação da moral (cf. Reis, p.389). A chegada do nihilismo, significa aqui, a sua aceitação as claras, nos próximos dois séculos.
[14] Um homem que se supera a si mesmo, sem se fundamentar em valores supremos, pois, o homem não é um fim em si mesmo, mas uma ponte para um estado superior da existência. O seu ideal manifesta simultaneamente a aptidão criadora da transcendência e a sua virtual universalidade (cf. Reis, p.402-406). Este homem tem uma visão trágica do mundo, ou seja, compreende as suas contradições.
[15] No sentido de normas, impedimentos, etc.
[16] É a forma de ascensão, de elevação de si mesma, mas de forma finita (cf. Reis, p.412).
[17] É a doutrina segundo a qual, pelo facto de o homem ser finito está sujeito a reviver cada prazer, cada dor e cada pensamento na mesma ordem e sucessão (Reis, p. 412-413). Só o Super-Homem é que estará apto para viver os eternos retornos, os fracos cairão pelo caminho, será uma selecção natural.
[18] Significa atribuir validade às coisas que o cristianismo invalidou, ou seja, tudo que serve para intensificar a vida e aumentar a vontade de potência (Reis, p. 421).
[19] Entendemos como sendo a mudança da moral cristã para uma moral autenticamente humana (moral natural), ou seja, criado pelo homem para o homem.
[20] Profeta persa, autor de canções que constituem parte das escrituras sagradas da Pérsia. Supõe-se que terá sido uma figura real e que terá vivido entre os séculos VII e IX a.C. Nietzsche retirou influências para fundamentar a sua moral prática, ou seja, para este, o princípio da vida está para além do bem e do mal (Ver Nóbrega e Marques, p. 208).
[21] Termo tirado da sua obra: Ecce Homo (como cheguei a ser o que sou).

Relacao entre a Politica e Cultura

Índice
Índice................................................................................................................................ 1
1.Introdução...................................................................................................................... 2
2. A Política e a Cultura................................................................................................... 3
2.1 Noção de Política..................................................................................................... 3
2.1.1 Características da Política................................................................................... 4
2.1.2 Função e finalidades da Política.......................................................................... 4
2.2 Noção de Cultura..................................................................................................... 5
2.2.1 Características da Cultura................................................................................... 6
2.2.2 Finalidade da Cultura......................................................................................... 7
2.3 Relação entre Política e Cultura................................................................................. 7
3. Conclusão..................................................................................................................... 9
Bibliografia..................................................................................................................... 10

















Por Hermínio Nhantumbo[1]
1.Introdução
O presente trabalho de pesquisa científica, inserido na disciplina de Filosofia Política, visa essencialmente abordar a relação existente entre Cultura e Política, fazendo uma abordagem interdisciplinar, isto é, os conceitos usados nesta pesquisa são das outras ciências como Antropologia Cultural, Sociologia e Ciência Política.
Neste contexto, é nossa tarefa saber: Quais são os pontos de convergência e divergência entre Cultura e Política, sem no entanto, nos esquecermos que a última é uma das várias dimensões da primeira, como veremos a seguir.
Neste sentido, o objectivo desta abordagem é compreender, sobretudo, como é que o homem produz e é produzido pela Cultura em geral, e pela Política em particular.
A nossa tese é a seguinte: só há Politica se houver Cultura e não vice-versa, pois embora ambos sejam produto do ser humano, a segunda antecede a primeira.
Para a concretização deste trabalho, usamos os métodos: racional, (que nos permitiu abstrair com vista a encontrar os fundamentos das duas abordagens) análise comparativa (que nos permitiu estabelece uma analogia ou comparação entre os dois termos) e a hermenêutico, (que visou interpretar e compreender os textos que tornaram possível este trabalho).
Assim, o trabalho está estruturado da seguinte forma: Introdução (onde de forma breve resumimos o assunto a tratar); Desenvolvimento (que contém o Corpus do texto propriamente dito, onde merecem destaquem as várias perspectivas de definição dos termos Cultura e Politica, suas características e suas finalidades) e a Conclusão (onde damos o nosso contributo em relação ao que se percebeu durante a viagem feita ao mundo da Cultura e Politica).



2. A Política e a Cultura
Este estudo está inserido na disciplina de Filosofia Politica como uma ciência “que questiona pressupostos e consequentes da própria Ciência Politica (as formas de conhecimento dos factos políticos, a sua natureza, a respectiva valoração, a gnosiologia, a ontologia e a axiologia politica” (Bastos, 1999: 36).
É nesta perspectiva (filosófica) que vamos analisar a relação que existe entre Politica e Cultura, começando pelas noções básicas dos conceitos de Cultura e de Politica como a seguir apresentamos.

2.1 Noção de Política
Segundo Legrand, a política “é a arte ou ciência do comportamento do agrupamento humano constituído em Estado” (Legrand, s.d.: 304). Enquanto que para Vicente “política significa acção orientada para a organização e governo do Estado” (Vicente, 1997: 43).
Enquanto que para o primeiro autor a politica tem o papel de fazer um estudo da relação Homem/Estado, para o segundo, a politica é que organiza e governa o Estado. A convergência destas definições é que as duas falam da organização Humana, se calhar em níveis hierárquico, o que pressupõe a existência de um Poder Politico[2] que visa essencialmente dominar o outro enquanto sociedade ou povo.
Para Moncada, com a expressão Política pode-se entender três coisas até certo ponto distintas: a) um conceito de político; b) uma forma de vida, o Homo Politicus; e c) as diferentes realizações positivas históricas desta última. A alinea a) e b) são puras abstracções, objectos ideais, sem realidade; são mas não existem. Enquanto que a alinea c) são e existem, tem realidade concreta, embora não sensível e esta conhece também, por sua vez, as suas fomas, uma das quais precisamente é o Estado (cf. Moncada, 1995: 160).
Para poder perceber bem o que se disse acima é pertinente fazer uma breve caracterização da Política.
2.1.1 Características da Política
A Política enquanto uma acção virada para organização e governação dos agrupamentos humanos inseridos num estado, caracteriza-se por ser a possuidora de um poder que lhe permite realizar tal governação.
Este poder é explícito e ganha corpo quando está inserido no Estado que muitas vezes é sinónimo de Poder Politico (cf. Abrunhosa, Leitão e Rezende, 1979: 203).
Uma característica fundamental da Política é que ela é uma manifestação espiritual, que se materializa quando o homem vive-a ou pratica-a.

2.1.2 Função e finalidades da Política
Ao pretendermos falar da Política, é indispensável falar da origem do Estado, sua natureza e suas funções.
Para Aristóteles o Estado tem origem natural e tem como finalidade “facilitar a consecução do bem-comum” (Modin, 1981:103). A visão de Lewis Morgan não foge muito desta perspectiva.
Segundo Lewis Morgan, o Estado originou de dois sitemas fundamentais, a saber: o primeiro sistema diz respeito as relações pessoais que evoluiram até tornar-se em sociedade ou nação, partindo de um antepassado comum; o segundo sistema tem bases no território e na propriedade em que as relações deixam de ser de ordem pessoal e tornam-se numa relação envolvendo Sociedade e Governo. (cf. Henrique e Cabrito, 1995: 13).
Como podemos perceber, este processo evolutivo foi natural como refere Aristóteles.
No que diz respeito a natureza do Estado, Henrique e Cabrito referem que são três elementos que corporizam e o definem, a saber: o Povo, o Território e o Poder político. Referem que o Povo[3] é o elemento básico e imprescindível para a constituição do Estado. Por sua vez, o Território é o elemento que concretiza o determinante real da distinção entre sociedade (societas) e o Estado (civitas). Por fim está o poder político que é efectivamente o último e o fundamental dos elementos constitutivos do Estado (cf. Henrique e Cabrito, 1995: 14).
Quanto a função do Estado, Henrique e Cabrito definem-a como sendo “o conjunto das actividades por este desenvolvidas com vista à realização de outros fins” (Id.: 16).
Segundo estes actores, são funções do Estado as seguintes: Função Legislativa, Função Administrativa ou Executiva e a Função Judiciária, tudo isto baseado no Poder político (Id.: 17).
Em última análise, estas funções do Estado se resumem na seguinte, como diz Grácio e Girão: “a organização da sociedade e da vontade geral” (Grácio e Girão, 1998: 261).
Por tanto, a finalidade do Estado é de criar facilidade para que a sociedade atinja o bem-comum, como referiu Aristóteles.

2.2 Noção de Cultura
Segundo Legrand, a Cultura é o “conjunto das crenças, dos conhecimentos, dos ritos e dos comportamentos tradicionais de uma dada sociedade” (Legrand, s.d.: 104).
Nesta perspectiva vemos a cultura como algo não isolado, mas que integra muitas componentes como técnica, ciência, religião, arte, magia, ideologia, política e outros.
Mas, segundo Oliveira, Pais e Cabrito, a Cultura “deve ser vista, não só como resultado complexos, padrões, comportamentos, costumes, usos, tradições, hábitos, mas também como um conjunto de mecanismos de controlo, planos, regras, instruções para orientar o comportamento” (Oliveira, Pais e Cabrito, 1990: 17).
Nesta perspectiva percebe-se que cada Estado, também está inserido na Cultura.
Estes autores referem ainda que há um aspecto a considerar que é “o facto de o homem estar dependente de tais mecanismos de controlo extragenéticos para ordenar a sua vida” (Ibid.).
Seria um erro esquecer de trazer aqui uma definição tradicional de Cultura, que consubstancia o que referimos acima. Eduwar Tylor (considerado o primeiro a definir este conceito e por tanto pai da Culturologia), define a Cultura como sendo “um todo complexo que compreende simultaneamente a ciência, as crenças, as artes, a moral, as leis, os costumes e as demais aptidões e hábitos adquiridos pelo homem enquanto membro da sociedade” (Boudon, 1995: 457).
Por tanto, falar de Cultura é falar uma variedade de elementos que compõem uma unidade funcional muito complexa. Falar de Cultura, é falar em última análise, da génese e do itinerário da nossa existência.

2.2.1 Características da Cultura
Legrand afirma que a cultura da saciedade “tem (…) um carácter normativo” e que as “suas manifestações estendem-se desde a representação que [o homem] têm do mundo natural até as formas de organização do trabalho e aos costumes relativos aos actos mais simples como comer e dormir” (Legrand, s.d.: 104).
Bronislav Malinowski valoriza a noção de Instituição (que é um grupo de indivíduos unidos numa ou mais tarefas comuns em ligação com um determinado sector de um dado meio manipulando juntos um aparelho técnico e obedecendo a um corpo de regras) como o elemento concreto e unidade básica da cultura (cf. Boudon, 1995: 459).
Boudon refere que a cultura tem duas faces: uma face material e outra espiritual ou intelectual. Na face material, Boudon inclui “ a alimentação, o vestuário, o conforto, a sociedade, (…) a habitação, a pesca, a agricultura, a pecuária (…) as industrias” enquanto que na face espiritual ou intelectual se encontra “o conhecimento e a liberdade” (Boudon, 1995: 463-464).
Por tanto, se quisermos ser mais profundos teríamos que caracterizar a Cultura a partir das suas várias dimensões (técnica, ciência, religião, arte, magia, ideologia, política), pois estes elementos são partes integrantes daquele.


2.2.2 Finalidade da Cultura
Em última análise, a Cultura tem a finalidade de inserir no Homem valores humanos através de um processo que visa transformar os Homens biológicos em culturais.
Depois deste processo que inicia na primeira socialização e termina com a morte, o homem vai usar as várias dimensões da cultura para poder se expressar.

2.3 Relação entre Política e Cultura
Em primeiro lugar é imperioso referirmos que a Politica “tal como outras manifestações (Arte, ou ciência por exemplo) representam uma das dimensões da cultura Humana” (Grácio e Girão, 1998: 92).
Com esta abordagem percebe-se claramente que a Politica enquanto um fenómeno da Cultura não pode desenvolver-se fora desta última.
Ao nível de convergência podemos dizer que tanto a Cultura, assim como a Politica são elementos intrínsecos ao ser Humano e ambas estão em permanente mutação o que as torna em elementos não acabados.
A Política é ao mesmo tempo criadora e criatura: criadora no sentido de que é responsável pela idealização do futuro e criatura dum passado fundamentado na Cultura humana. Assim, apesar de tanto a Política e a Cultura se influenciarem mutuamente, o maior peso de influência é do último ao primeiro.
É preciso que não esqueçamos nunca que é o Homem que faz tanto a cultura, como a Política, aliás Aristóteles diz parcialmente esta nossa ideia, quando refere que “o homem é um animal político” (Mondin, 1981:103).
Ao nível da divergência podemos dizer que enquanto que a Cultura é um campo macro, a Política é micro campo.
Nada melhor que ilustrar esta nossa posição com a figura abaixo representada.





Todos estes elementos abaixo representados, fazem parte da dimensão da Cultura, em que vemos claramente a inclusão da Política.

Fonte: ABRUNHOSA, Maria; LEITAO, Miguel e REZENDE, Rogério, Introdução à Filosofia. 10º ano, Porto: Edições ASA, 1979.

3. Conclusão

O nosso propósito ao propormo-nos abordar este tema (Que relação existe entre a Cultura e a Política?) foi de perceber até que ponto estes dois fenómenos são convergentes. E nesta análise concluímos que ambas são produto da génese e itinerário humano.
Nesta viagem entendemos a Política como sendo a arte e ciência de governação dos agrupamentos humanos inseridos num Estado com poder político-administrativo. Enquanto que por Cultura percebemos uma simbiose complexa de elementos como Política, Arte, Ciência, Religião, Filosofia, Técnica, Magia, Ideologia, vestuário, alimentação, dança, musica, conhecimentos que formam uma unidade funcional e determinam o comportamento do Homem enquanto membro de um grupo ou sociedade.
Assim, para existir Política é preciso que exista antes a Cultura, pois é da Cultura que nasce a Politica como uma actividade exclusivamente Humana.
Tanto a Cultura, assim como a Politica nasceram das necessidades humanas. Neste sentido a Cultura insere no Homem valores existências como conviver com o outro, comer, vestir, pensar entre outras coisas enquanto que a Politica orienta este para atingir a sua felicidade, criando oportunidades de realização e auto-realização dos seus desejos e anseios.


















Bibliografia
ABRUNHOSA, Maria A.; LEITÃO, Miguel e REZENDE, Rogéria, Introdução à Filosofia. 10º ano, 1ª ed., Porto: Edições ASA, 1979.
BASTOS, F. Loureiro, Ciência Politica: Guia de Estudo. Maputo: Imprensa Universitária, 1999.
BOUDON, Raymond, Tratado de Sociologia. 1ª ed., Lisboa Edições Asa, 1995.
GRACIO, A. Rui e GIRÃO, M. José, Razões em Jogo: Introdução à Filosofia. 10º ano, 1ª ed., Lisboa: Texto Editora, 1998.
HENRIQUE, Vitor e CABRITO, Belmiro Gil, Introdução à Política.10ª ed., Lisboa: Texto Editora, 1995.
LEGRAND, Gerard, Dicionário de Filosofia. Portugal: Edições 70, s.d.
MONCADA, L. Cabral de, Filosofia do Direito e do Estado:I Parte Histórica e II Doutrina e critica. Coimbra: Coimbra Editora: 1995.
MONDIN, Baptista, Curso de Filosofia: Os Filósofos do Ocidente. Vol.1, São Paulo: Paulus, 1981.
OLIVEIRA, Maria da Luz, PAIS, Maria João e CABRITO, Belmiro Gil, Relações Publicas.10º ano, 5ª ed., Lisboa: Texto Editora, 1990.
VICENTE, J.N., Razão e Dialogo: Introdução à Filosofia. 10º ano, Porto: Porto Editora, 1997.

[1] Autor do presente trabalho apresentado num seminário na UP 2008
[2] O conceito poder encerra uma certa pluralidade, isto é, existe poder sobre: a natureza, os seres humanos, a economia, etc., daí que fizemos a questão de referir poder político.
[3] Existe uma diferença entre Povo e Nação. Entende-se por Povo o conjunto de indivíduos que em cada momento histórico constitui a nação, enquanto que Nação é o conjunto de indivíduos fixados num território podendo ou não exercer sobre ela a soberania, possuidora de uma tradição cultural comum e de uma vontade de viver em comunidade e que aspiram a realização conjunta de determinados fins (cf. Henrique e Cabrito, 1995: 14).
1.Introdução. 1
2. Enquadramento histórico da ideia da evolução. 2
2.1 Características principais do Evolucionismo. 3
2.2 As teses do Evolucionismo. 4
2.3 Os Representantes do evolucionismo e suas ideias. 5
2.4. Limitações do evolucionismo e potencialidades. 8
3.Conclusão. 10
Bibliografia. 11





























Por Herminio Nhantumbo[1]
1.Introdução
O presente trabalho de pesquisa cientifica, inserido na disciplina de Antropologia Cultural, visa essencialmente mostrar as condições, as teses, as potencialidades, as limitações e a importância que o Evolucionismo teve na formação desta disciplina como ciência autónoma, bem como trazer a superfície os contributos prático-teóricos que cada um dos antropólogos, como Tylor, Morgan e outros, deu e que fundamentam a Antropologia dos nossos tempos.
O problema da origem da espécie humana e a sua evolução é o problema que os evolucionistas propõem à solucionar, e é nossa tarefa saber em que caminhos e fundamentos se baseiam para responder à estas questões.
Como metodologias foram usadas as consultas bibliográficas e a respectiva interpretação com vista ao alcance dos objectivos acima expostos.
O mesmo está estruturado seguindo a seguinte sequência: introdução (em que falamos dos objectivo do presente trabalho), o desenvolvimento (em que fazemos abordagem do assunto propriamente dito e o corpus do texto) e a conclusão (em que damos o nosso posicionamento em relação ao assunto tratado).













2. Enquadramento histórico da ideia da evolução
Segundo Martinéz, na idade Clássica, os pensadores já se preocupavam com o problema da origem humana e do universo, como também das leis que ditam o movimento e a transformação da sociedade. Neste contexto, houve tentativa de criar teorias, como por exemplo “génesis”, “as teorias religiosas do Oriente”, “os poemas épicos da Índia, da Pérsia e Suméria” (2001:83).
Na idade Media, tanto as doutrinas de Santo Agostinho, como as reflexões da Filosofia Social, contribuíram da sua maneira, sobretudo do Árabe Ibn Khaldun (idem).
Na idade Moderna, houve contributo do iluminismo, mas sobretudo o impulso das transformações sociais como a”revolução industrial, a crescente urbanização, o crescimento da produção, da população e dos conhecimentos” serviram “como espécie de demonstração da capacidade evolutiva do Homem” (Idem).
Contudo, o passo decisivo foi dado em 1859 por Charles Darwin, ao publicar a sua obra: A Origem das Espécies, onde “expôs o conjunto das suas ideias à respeito da evolução de todas as espécies, tratou de evolução, de sobrevivência de função”. Mas, Monet Lamark é tido como o fundador da teoria da evolução (idem).
Neste contexto, o evolucionismo dominou o período da construção da antropologia e tinha como pretensão “descobrir as leis gerais do progresso humano, as leis gerais da evolução da cultura do homem” (Idem).

2.1 Características principais do Evolucionismo
São quatro as características do evolucionismo apontadas por Martinéz, as saber:
v Amplitude do objecto de estudo— isto é “o objecto de estudo era muito vasto e abrangia o fenómeno da cultura como fenómeno humano próprio da espécie humana”, pois, “visava explicar os aspectos comuns a todos os povos e mostrar as regularidades existentes no processo cultural”;
v O factor tempo – equivale referir que eles “procuraram criar um tempo novo: o tempo cultural, isto é, as fases ou estádios da evolução”;
v O método comparativo – “o evolucionismo tenta interpretar as instituições sócias para reconstituição do passado e explicar deste modo, o conhecido através do que se ignora quase completamente”
v Temas e conceitos principais – as instituições: religiosas, familiares jurídicas e aspectos da cultura material, onde em “qualquer dos temas a preocupação central era demonstrar como a cultura obedece a uma evolução Universal e unilateral”, pois como afirmava l. Morgan, citado por Martinéz, “a história do género humano é única em sua origem, única em sua experiência e única no seu regresso” (2001:85-86).

2.2 As teses do Evolucionismo

Evolucionismo Antropológico é uma teoria que afirma que “a humanidade contem em si tendências imanentes que se desenvolve à medida que a sociedade progride”. Segundo Panoff e Perrin, “este processo evolucionista é realizado paralelamente por todas as sociedades”, e corresponde “ (…) ao desenvolvimento de uma série de instituições, técnicas, crenças, acontecimentos” (1973: 70).
Partindo do principio de que “antropologia, como o conhecimento do primitivo, fica indissociavelmente ligada ao conhecimento da nossa origem, (…) das formas simples de organização social de mentalidade de que evoluíram para as formas mais complexas das nossas sociedade” (Laplantine, 2000: 65), os evolucionistas defendem que:
Existe uma espécie humana que idêntica, mas que se desenvolve em ritmos desiguais, de acordo com as populações, passando pelas mesmas etapas, para alcançar o nível final que é o da Civilização. Segundo, Laplantine, fazendo referência à Lei de Haeckel, as populações não civilizadas atravessam “as mesmas fases que a história das espécie”, ou seja, a Ontogênese reproduz a Filogênese” (Idem: 66). Estes partem do princípio de que “as mutações culturais não dependem nem do ambiente, nem da história”, mas sim “do equipamento bio-psíquico do homem”, pois para eles, “ a invenção humana era responsável pelas transformações” (Martinéz, 2001:86).
Para os evolucionistas, a passagem de uma etapa à outra segue uma linha única, ou seja, evolução unilinear, entendida como sendo o desenvolvimento que se faz “essencialmente segundo uma mesma linha directriz em todos os níveis da cultura” (Panoff e Perrin, 1973: 70).
E neste contexto, “o evolucionismo defere-se do processo histórico pelo facto de as sequências de acontecimentos aos quais se refere não serem detectáveis de forma precisa nem no tempo, nem no espaço”, pois, “apoia-se numa história hipotética” (Idem:70).
Assim, “o evolucionismo assumiu diversas formas e definiu de variada formas os estádios pelos quais deviam passar a sociedade antes de atingir (…) a civilização” (Idem: 70). E como na podia deixar de ser, vários são os nomes que contribuíram para o seu percurso e que é nossa tarefa expô-los aqui.

2.3 Os Representantes do evolucionismo e suas ideias

Os nomes que mais se destacaram nesta escola foram Taylor, Frazer, Mac Lennan, Marett, Morgan, Lubbock.
Henry Maine (1822-1888) (de origem Inglesa) na sua obra Antiga Lei, “descreve a família Indo-europeia, sustentando que a forma patriarcal da organização familiar era mais antiga” (Bernardi, 1974:178).
Mas John Ferguson MacLennan, (1827-1888), (jurista escocês que contribuiu para o desenvolvimento do Direito comparado, disciplina que iria estimular consideravelmente os progressos da Etnologia. Ocupou-se particularmente do “matriarcado, da filiação matrilinear, das diversas formas de casamento e da promiscuidade primitiva”, sem, no entanto, ter feito trabalho de campo), critica esta posição sustentando que “o primeiro estágio social tinha sido o matriarcado”, pois, segundo ele, “a primeira forma de matrimónio teria sido a promiscuidade sexual, seguida da poligamia no matriarcado (do qual via vestígios na antiga Grécia), no patriarcado (com vestígios na antiga Roma) e por fim na monogamia” (Idem).
O evolucionismo defendido por MacLennan era de que “todas as raças humanas seguiriam caminhos paralelos, a partir da Selvajaria
[2], e passando pelas mesmas etapas” (Panoff e Perrin, 1973: 117).
Esta posição foi criticada por Lewis Morgan (1818-1881), que baseou suas teorias em factos sólidos, isto é, trabalho de campo (Idem).
Morgan “popularizou a sequência dos três estádios – Selvajaria, barbárie
[3] e civilização[4]”, que supostamente marcaram os progressos da humanidade, tendo se apoiado “nos dados conhecidos da Grécia e dos Aborígenes[5] Australianos” (Panoff e Perrin, 1973:121-122). Ele “enveredou pelo estudo do parentesco, ideias expostas nas suas duas obras fundamentais: Systems of consanguinity and affinity of de human family (1871) e Anciety society (1887).
Nos seus estudos, “dois aspectos singulares (…) pareceram-lhe uma novidade. A primeira foi a nomeclatura classificatória”, que segundo ele, “representa (…) um modo particular de catalogar os parentes”, ou seja, “um verdadeiro sistema de organização por meio do qual se precisavam as relações sociais e politicas entre pessoa e pessoa e a segunda foi a descendência matrilinear” (Bernardi, 1974: 178).
Como estudioso que aprofundou o sistema social dos Iroqueses, percebeu que o parentesco entre estes “não servia só para definir as relações pessoais, mas era o princípio organizativo dos grupos sociais maiores”, designado por ele de “Fratias
[6]” (Idem).
“A terminologia classificatória e a descendência matrilinear”, levaram Morgan a concluir que “a mais antiga forma de relação sexual tivesse sido a promiscuidade e a mais antiga organização social o Matriarcado” (Idem:178-179). Assim, Morgan estendeu suas análises da sociedade para outros “primitivos”, como “populações Ameríndias” e analisou as documentações sobre populações dos outros continentes, incluindo as antiguidades clássicas, Gregas e Romanas.
Na sua obra: Anciety Society, formulou o mais elaborado e simplista “esquema evolutivo da história da sociedade humana” onde “distingue três principias estádios, acima referidos, a saber:
v Estádio Selvagem: no qual o homem vive da caça e da colheita;
v Estádio Bárbaro: no qual os meios de produção se tornam mais elaborados, coma a criação, o cultivo e a irrigação;
v Estádio Civilizado: durante a qual a introdução da máquina e a arte chegaram à plena expansão industrial (Idem: 179).
No entanto, Morgan refere que “cada um destes estádios é dividido em três graus: Antigo, Médio e Recente”, como mostra a seguinte tabela:

Estádio Selvagem




v Estádio selvagem antigo: invenção da linguagem;
v Estádio selvagem médio: uso do machado;
v Estádio selvagem recente: invenção do arco e da flecha:
Estádio Bárbaro
v Estádio Bárbaro antigo: Invenção da cerâmica;
v Estádio Bárbaro médio: criação, cultivo e irrigação;
v Estádio bárbaro recente: Laboração do ferro.
Estádio Civilizado
v Estado civilizado antigo: invenção da escrita;
v Estádio civilizado médio: pólvora, bússola papel e imprensa
v Estádio civilizado recente: maquina e industria.
Fonte: BERNARDI, Bernardo (1974), Introdução aos estudos Etno-antropologicos. Lisboa: Edições 70.

Este esquema, representado na tabela acima, “corresponde ao determinismo intrínseco ao conceito de evolução, predominante na época”. Mas hoje, Morgan é “unanimemente valorizado, por ter incluído o estudo científico e sistemático do parentesco como fundamento necessário da organização social e politica” (Idem). E é reconhecido como “percursor da Antropologia social” e a sua obra: Anciety Society, “influenciou os pensadores como Karl Marx e Frederich Engels”, porque, como escreve Harris (1968:24) citado por B.Bernardi, “abriu os olhos para a complexidade da cultura primitiva e para as suas próprias carências neste campo” (Idem: 180):
Entretanto, outro antropólogo evolucionista é J. Lubbock (1834-1913) publica em 1870 a “origem da civilização e a primitiva condição humana”onde defende que “na origem da cultura humana deve-se pressupor um estágio zero”, no que se refere a realização defende que do “ateísmo, a humanidade teria depois passado do feiticismo, ao Xamanismo, à idolatria e, por fim à ideia de Deus” (Bernardi, 1974:176).
Esta posição foi criticada por Edward Burnett Tylor (1832-1917), “que com a sua obra principal: Primitive Culture (1871), propõe” que antes é preciso “uma definição mínima de religião”, pois defendia que “a partir dos fenómenos do sonho, da alucinação, das visões e similares ao homem, teria chegado a ideia de um outro si mesmo, de uma alma e dos ser espirituais” (Bernardi, 1974: 176). É, por esta razão, que o “sistema religioso analisado por Tylor é chamado Animismo”, ou seja, “para ele é a partir do animismo que a religião evolui para o feiticismo, a idolatria, o politeísmo e (…) monoteísmo”. E partindo deste pressuposto, Tylor chega a conclusão de que “a fase monoteísta foi importada das grandes religiões monoteísta, isto é, do Ocidente”.
Importa referir que Tylor ocupa uma dimensão que se confunde com a história da Antropologia como ciência por ter sido o primeiro a definir o “conceito de cultura e pelo uso do método positivista de estudo” (cf. Bernardi, 1974:177), e é considerado o fundador da Culturologia por ter se dedicado fundamentalmente, a partir de 1871, ao estudo dos primitivos numa óptica evolucionista. (Panoff e Perrin, 1973:169). Embora tivesse feito uma descrição das suas impressões, Tylor “foi estudioso de gabinete (…) conduzia as suas analises com muita seriedade e sentido critico, comparando a documentação a fim de descobrir a série de gradações como confirmação do pressuposto evolutivo” (Bernardi, 1974:177).
Este antropólogo, foi o primeiro “a servir-se da estatística como método de estudo, como também introduziu e definiu o conceito de Sobrevivência
[7] (Idem).
R.R. Marett, Universitário Britânico que sucedeu à Tylor, em Oxford, interessou-se sobretudo pelo domínio do “sobrenatural entre os primitivos, estudando a forma como o pensamento selvagem fabrica as crenças religiosas e magicas e adere a elas”, o que lhe valeu frequentes críticas por parte de Marcel Mauss, pois, nunca fez trabalho de campo (Panoff e Perrin, 1973: 116).
Outros antropólogos que importa fazer referência nesta abordagem são: Sir James Frazer (1854-1941) (que escreveu: O ramo de ouro, estudo da magia e da religião, que defendia que “a magia é a primeira manifestação de espírito humano; a partir dela ter-se-iam desenvolvido por ordem a religião e a ciência”) e W.H.R. Rivers (1864-1922) (Que deu a antropologia “uma perspectiva histórica e não genético-evolucionista (…) nas pesquisas de campo sobre os TODA da índia Meridional e sobre os Melanésios” e por isso é recordado “por ter sido o primeiro a utilizar o método genealógico no estudo da organização social”, usando-o “para reconstituir à historia das instituições sociais”) (Idem: 181-182).
Como diz Bernardi, “com estes encerra-se a época dos grandes mestres evolucionistas”.


2.4. Limitações do evolucionismo e potencialidades
Para Bernardi, as principais limitações do evolucionismo foram nos seguintes aspectos:
Não conseguiram explicar a variedade e multiplicidade das manifestações culturais; como também tiveram incapacidade de realizar pesquisa sistemática no terreno (1974: 177).
Na visão de Martinéz, as limitações do evolucionismo foram as seguintes:
Não conseguiram explicar as razoes e causas das transformações da cultura; como também faltou-lhes rigor no emprego do método comparativo, pois segundo este, “não criticavam as fontes de informação utilizadas” (2001:86).
No que concerne as potencialidades, Marinéz refere que os evolucionistas introduziram conceitos que até hoje perduram na Antropologia como: Cultura, sistema de parentesco, evolução cultural, religião, magia, toteísmo, clã, descendência patrilinear ou matrilinear, etc.,. Contribuiu também para que se fixasse a “atenção no estudo do `exóticos ´, ` povos primitivos ´ no estudo de fenómenos contemporâneos nos seus aspectos excepcionais (unilanearidade do fenómeno cultural) (Idem). Enquanto que Bernardi refere que, foi a partir das abordagens comparativas e unitárias do conceito cultura, em Tylor, que “os Antropólogos posteriores desenvolveram novos pressupostos como: integração etnémica, a estrutura e a função, o relativismos das variantes culturais, o individuo e a comunidade”, isto com base numa “mudança de perspectiva teórica e metodológica” (1974:177).
“A escola evolucionista”, escreve Bernardi para referir a importância que teve a mesma, na formação da Antropologia como ciência, “liberta a Antropologia das ideias da simples curiosidade, encaminhando-a para novos desenvolvimentos de métodos para aprofundamento de uma problemática, em grande parte, intuída, até formulada pelos primeiros grandes mestres” (Idem:180).








3.Conclusão
O evolucionismo é uma corrente Antropológica que surge em países como Inglaterra, França e EUA, na segunda metade do século XIX, que defendia que tanto a sociedade, família, religião, como a cultura, evoluíam de maneira desigual, passando pelas mesmas etapas até chegar à civilização (como defendia Morgan), ou monoteísta (como defendia Tylor ao se referir a evolução da religião), baseando as suas teorias nas ideias expostas por Charles Darwin na sua obra monumental: A origem das espécies.
O evolucionismo criou e definiu conceitos modernos como cultura, relativismo das variantes culturais, sobrevivência, estruturas e sistemas de parentescos, o que vem a salientar a sua importância para a Antropologia Cultural como disciplina científica.
Apesar de ter sido criticada, o evolucionismo tem a fundamental importância na história do homem, por ter sido a primeira escola Antropológica a se preocupar com a questão das transformações que ocorrem numa sociedade, defendendo as suas teses com convicção. E foi a partir dele que os antropólogos posteriores partiram, claro, subscrevendo ou opondo-se as teses propostas por este.
















Bibliografia
BERNARDI, Bernardo (1974), Introdução aos estudos Etno-antropologicos. Lisboa: Edições 70.
LEPLANTINE, François (2000), Aprender a Antropologia. trad. Marie Agnes, Chauvel, São Paulo: Brasiliense.
MARTINÉZ, Francisco Lerma (2001), Antropologia cultura: Guia para estudo. 3ª Ed., Maputo: Edibosco.
PANOFF, Michel e PERRIM, Michel (1973), Dicionário de Etnologia. Paris: Payot.

[1] Autor do trabalho que foi apresentado num dos seminários na UP em 2007.
[2] Caracterizada pela ausência de objectos de cerâmica, pelo uso do arco e da flecha.
[3] Idade da cerâmica e dos instrumentos de ferro.
[4] Corresponde ao aparecimento da escrita.
[5] Indignas da Austrália
[6] Compreende todos os descendentes na mesma linha feminina duma mesma antepassada (cf. Bernardi, 1974: 178).
[7] Aspectos primitivos que se encontram nos estádios evolutivos mais avançados, como, por exemplo: as formas de superstição e de feiticismo das religiões monoteístas (cf. Bernardi, 1974: 177).